sábado, 20 de febrero de 2010

Mariana Marcassa en Residencia Temporal en Santiago de Chile. Agosto 2009


[portugués]


Mariana Marcassa, artista brasileira, mestranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP e bolsista pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), membro do Coletivo EmpreZa (Goiânia) e do EIA (São Paulo), foi convidado pelo seu tutor de tese de mestrado, Suely Roldnik, para ir ao Chile em Agosto de 2009 para participar de um encontro da rede latino-americana CONCEITUALISMO DO SUL. Através do projeto Residencia Temporal de DESISLACIONES, pedimos alojamento para Mariana entre a nossa rede de contactos. Recebemos resposta de Gonzalo Rabanal, proeminente artista visual e performer chileno, que obtive que Mariana foi recebida em Santiago do Chile e alojada num espaço para Residências Internacional do COLETIVO MAPOCHO. Além de participar do encontro da rede CONCETUALISMOS DO SUL, Mariana, compartilhou fez ações, com os membros do DEFORMES e COLETIVO MAPOCHO y fez uma apresentação dos seus trabalhos em INDICE- Centro de documentação das Artes, em Valparaíso. Aqui está a história que escreveu Mariana de sua experiência no Chile.


Historia de su estada em Agosto de 2009


Chile, te llevo bajo la piel1


Para Rosa Apablaza,
Gonzalo Rabanal, Samuel Ibarra y Ramón Aldunate


Depois de um dia em Valparaíso e sete dias em Santiago tomo o avião diretamente para DF: México ao encontro de minha orientadora de mestrado. Do Chile cheguei farta. Quase não falava, meu corpo estava mesmo roxo e aquele ombro exposto ao sol fazia de mim a evidência da experiência não só do dia anterior em Santiago, como de um tempo intenso de DESISLACIONES.

Foi no último dia em que decidimos sair pela cidade e realizar algumas ações em conjunto. Primeiramente eu e Rabanál, depois encontramos Ramón e Samuel Ibarra. Rabanál carregava uma maleta de materiais a serem utilizados no trânsito com a cidade. Propunha-me ações performáticas e isso me fazia sentir lentamente o "terreiro"2 que construíamos por debaixo da terra entre as linhas do metrô. Havia um combinado: depois de algumas horas os levaria a uma deriva até que nos sentíssemos realmente perdidos para então realizar a performance que eu intencionava fazer. Impossível. Para além da obviedade de dizer sobre a dificuldade em perder-me na companhia dos amigos que tão bem conhecem aquela cidade, existia o fato de que os que me acompanhavam estavam preocupados em levar àquela experiência a seriedade de documentá-la. E isto nos tomou tempo porque tivemos que ir em busca da máquina, atravessar a cidade, tomar várias conduções, paradas para cafezinhos e conversas. Não gostava muito da idéia da ‘máquina registradora’, me incomodava o registro se colocar demasiado importante a ponto de nos deixar conduzir por ele. O fato é que com certa passividade já estava a gostar de todo aquele ir e vir em busca do objeto. Relaxei em minha proposta inicial para o dia e deixei os encontros subterrâneos conduzirem o acontecimento. Uma briga dentro do trem nos toma de assalto. Foi mesmo um rasgo na tentativa de controle sobre as ações do dia: Rabanál parte para cima de um suspeito ladrão de carteiras. O suspeito era um homem como aqueles tantos que habita Santiago. Seu rosto apresentava traços que faziam-me pensar que pertencera a um outro lugar, algo nele vinha de fora. Vestia-se de terno, gravata e maleta nas mãos. Rosto ‘estrangeiro’, traje empresarial. Estrangeiro, ladrão ou não, o fato é que esta cena foi pra mim a evidência de um dos principais focos de tensão no diagrama de forças daquela cidade. Foi uma porrada em meu corpo, percebi-me suspensa e perguntei a Rabanál se a cena era sua performance. Ele responde que não.


Desde aqui senti a emergência do que venho chamando de “terreiro”. Sentia mesmo que o rasgo se abria e o terreiro acontecia. O terreiro não é nada fixo, qualquer imprevisto é bem vindo e quanto mais vida, mais possibilidade para o encontro daquilo que nos constituía. O terreiro uma Zona3. Zona irregular de forças, de interesses diversos. Zona de encontros. Afetos, conflitos, furos. Não é um espaço, mas um tempo. Um tempo que vibra em nosso corpo e nos leva às direções imprevistas, ou melhor, faz de nós um processo em direções imprevistas. Há aqui uma certa nebulosidade e aquela sensação flou, fria, que parece ótica mas é sensível à pele e, portanto, tão palpável quanto a neblina.


Desde então, entre uma estação e outra do metrô, pequenos gestos de gritos surdos – não mudos – despertavam e assim despertavam também e indissociavelmente os outros. As raspadas de cabelo com a navalha a seco e o rosto amarrado pela linha vermelho-preta criava o monstro. No trem um desconforto se estende até o fim daquele trajeto.


Tempos depois, por algum motivo nos pusemos em direção ao Museu Pré-Colombiano. Havia lá um amigo à nossa espera. Pusemos-nos a dificultar a passagem pelo corredor daquele museu cumprido e de paisagem secular. Cada qual com uma ação. Rabanál na figura do monstro fazia-se girar sobre o próprio eixo. Seu rosto entrecortado por linhas vermelho-pretas e a pinça delicadamente pendurada em seu crâneo. Francisco Araya, vestido em uma de suas escultura-corpo – bichos fabulosos feitos de fibra natural – evocava todos os espíritos mais longínquos, de naturezas diversas e ruídos muito estranhos. Eu, na imanência do terreiro, no desejo de dar corpo àqueles oito dias de Chile, me pus a rodar na busca do ‘perder’ da deriva que ficara para trás. Rodava tanto quanto fosse necessário até cair no chão e tão logo perdida levantava-me (na ânsia do estado de perdição) e jogava-me às paredes de um lado a outro no limite da exaustão do corpo. As paredes grossas, frias, pesadas, carregadas, eram mesmo monumento.4


E eu ali, a me jogar ao encontro do monumento na tentativa de atravessá-lo. Nesse lugar entre eu e o monumento não comemorávamos nada, porque o jogar-se ao encontro não representava nada, mas corporificava a sensação das experiências inscritas no corpo do monumento e o desejo de penetrá-las.

O que mobilizava-se ali em mim era a sensação da deriva engendrada no encontro com aquele coletivo e a cidade de Santiago e a interrogação do que poderíamos fazer dele, dali para adiante. Lançarmo-nos para uma outra realidade que se desconhece. Não seria este o terreiro que um fazer coletivo pode engendrar? Seria o coletivo um lugar de conexão do desejo que se lança no desconhecido?

Farta de vida, dos amigos que fiz ali, das possibilidades que criamos juntos. Nesse dia fui-me. Com os ematomas, com a crise de uma respiração alérgica ativada pelo embate às paredes frias, com meu corpo outro e um sem-número de gritos lançados ao vento.

[español]


Mariana Marcassa, artista brasileña, máster en Psicologia Clínica por la PUC-SP y becada por la FAPESP (Fundación de ayuda a la investigación del Estado de Sao Paulo), integrante de Grupo Empreza (Goiânia) y de EIA (Sao Paulo), fue invitada por su tutora de tesis de Máster, Suely Roldnik, para ir a Chile en Agosto 2009 para participar de un encuentro de la red latinoamericana CONCEPTUALISMOS DEL SUR. A través del proyecto Residencia Temporal de DESISLACIONES, solicitamos alojamiento en Chile para Mariana entre nuestra red de contactos. Recibimos respuesta de Gonzalo Rabanal, destacado artista visual y performer chileno, el cuál consiguió que Mariana fuera recibida en Santiago y alojada en un espacio destinado a residencias internacionales del COLECTIVO MAPOCHO. Además de participar del encuentro de la red CONCEPTUALISMOS DEL SUR, Mariana, compartió y realizó acciones con los integrantes de DEFORMES y del COLECTIVO MAPOCHO y realizó una presentación de su trabajo en INDICE - Centro de documentación de las Artes, en Valparaíso. Aquí presentamos el relato que escribió Mariana a partir de su experiencia en Chile.


Relato de su estadía en Agosto 2009


Chile, te llevo bajo la piel5


Para Rosa Apablaza,
Gonzalo Rabanal, Samuel Ibarra y Ramón Aldunate

Después de un día en Valparaíso y siete días en Santiago tomé el avión directamente a México DF al encuentro de mi tutora de Máster. De Chile llegué cansada. Casi no hablaba, mi cuerpo estaba morado y mi hombro expuesto al sol era una evidencia de la experiencia no sólo del día anterior en Santiago, sino de un intenso tiempo de Desislaciones.

El último día decidimos salir por la ciudad y realizar algunas acciones en conjunto. Primero Rabanal y yo, después encontramos a Ramón y a Samuel Ibarra. Rabanal cargaba una maleta de materiales que serían utilizados en el tránsito por la ciudad. Me proponía acciones performáticas y eso me hacía sentir lentamente en “terreiro”6, que construíamos por debajo de la tierra entre las líneas del metro. Había una combinación: después de algunas horas nos llevaría a una deriva hasta que nos sintiésemos realmente perdidos, para entonces realizar la performance que yo pretendía hacer. Imposible. Aparte de lo obvio de hablar acerca de la dificultad de perderme en compañía de amigos que conocen tan bien la ciudad, estaba el hecho de que los que me acompañaban estaban preocupados en llevar esa experiencia a tal seriedad de querer documentarla.

Y eso nos tomó tiempo porque tuvimos que ir en busca de la cámara, atravesar la ciudad, tomar varios caminos, paradas para cafecitos y conversas. No me gustaba mucho la idea de la “máquina registradora”, me incomodaba que el registro se considerara demasiado importante al punto de dejarnos llevar por él. El hecho es que, con cierta pasividad, ya me estaba gustando todo eso de ir y venir en busca del objeto. Me relajé en cuanto a mi propuesta inicial para el día y dejé que los encuentros subterráneos condujeran el acontecer. Una pelea dentro del tren nos toma por asalto. Fue un quiebre en el intento de control sobre las acciones del día: Rabanal parte detrás de un supuesto ladrón de carteras. El sospechoso era un hombre como muchos de los que habitan Santiago. Su rostro presentaba trazos que me hacían pensar que pertenecía a otro lugar, algo en él venía de fuera. Vestía de terno, corbata y maletín en las manos. Rostro “extranjero”, traje empresarial. Extranjero, ladrón o no, el hecho es que ésta escena fue para mí la evidencia de uno de los principales focos de tensión en el diagrama de fuerzas de esa ciudad. Fue un golpe en mi cuerpo, me sentí suspendida y le pregunté a Rabanal si la escena era su performance. El respondió que NO.

Desde ahí sentí la emergencia de lo que llamo terreiro. Sentía que el quiebre se abría y el terreiro acontecía. El terreiro no es nada fijo, cualquier imprevisto es bienvenido y en cuanto más vida, más posibilidad para el encuentro de aquello que nos constituye. El terreiro es una Zona.7 Zona irregular de fuerzas, de intereses diversos. Zona de encuentros. Afectos, conflictos, vacíos. No es un espacio, sino un tiempo. Un tiempo que vibra en nuestro cuerpo y nos lleva a direcciones imprevistas, o mejor, hace de nosotros un proceso en direcciones imprevistas. Hay aquí una cierta nebulosidad y aquella sensación flou, fría, que parece óptica, pero que es sensible a la piel y, por tanto, tan palpable como la niebla.

Desde entonces, entré en una estación y otra del metro, pequeños gestos de gritos sordos – no mudos – despertaban y así despertaban también indisociablemente a los otros. Las raspadas de cabello con una navaja en seco y el rostro amarrado por la línea roja-negra creaba el monstruo. En el tren el malestar se extiende hasta el final de ese trayecto. Momentos después, por algún motivo nos pusimos en dirección al Museo Pre-Colombino. Allá había un amigo a nuestra espera. Nos pusimos a dificultar el paso por el corredor de aquel museo y del paisaje secular. Cada cual con una acción. Rabanal en posición de monstruo giraba sobre su proprio eje. Su rostro entrecortado por líneas rojo-negras y la pinza suavemente colgada de su cráneo. Francisco Araya, vestido con una de sus esculturas-cuerpo – bichos fabulosos hechos de fibra natural – evocaba todos los espíritus más lejanos, de naturalezas diversas y ruidos muy extraños. Yo, en la inmanencia del terreiro, en el deseo de dar cuerpo a aquellos ocho días en Chile, me puse a rodar en busca de “perder” la deriva que quedaba detrás. Rodaba tanto cuanto fuese necesario hasta caer al suelo y enseguida levantarme (en el ansia del estado de perdición) y me tiraba sobre las paredes de un lado a otro en el límite del agotamiento del cuerpo. Las paredes gruesas, frías, pesadas, cargadas, eran tal como un monumento8. Y ahí estaba yo, tirándome sobre el monumento, pretendiendo atravesarlo. En ese lugar entre yo y el monumento no conmemorábamos nada, porque el tirarse sobre él no representaba nada, sino que corporizaba la sensación de las experiencias inscritas en el cuerpo del monumento y el deseo de penetrar en ellos.

Lo que se movilizaba en mí ahí era la sensación de la deriva engendrada en el encuentro con aquel colectivo y la ciudad de Santiago y la pregunta de qué podríamos hacer de esto, de ahí en adelante. Nos lanzábamos para otra realidad, desconocida. ¿No sería éste el terreiro que puede engendrar un hacer colectivo? ¿Sería el colectivo un lugar de conexión del deseo que se lanza a lo desconocido? Llena de vida, de los amigos que hice ahí, de las posibilidades que creamos juntos. Ese día me fui. Con los hematomas, con la crisis de una respiración alérgica causada por el golpe contra las paredes frías, con otro cuerpo y un sinnúmero de gritos lanzados al viento.

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1. Aproprio-me de parte do slogan que se encontra dentro do metrô de Santiago/Chile: Porque aquí encuentro todo lo que me gusta. Te llevo bajo la piel. <<<

2. É o nome que se dá ao local em que celebram-se os cultos afro-brasileiros, macumbas, candomblés, umbanda, etc. Procuro deslocar este termo, arrastando-o junto com a multiplicidade de forças própria de um terreiro religioso para a zona que se instaura no disparo de algumas propostas artísticas das quais venho participando. No ritual religioso também encontro um lugar de sensações ativadas, memórias atualizadas e invenções de gestos. O que me interessa aqui é o plano intensivo do "terreiro", arrastado para fora de sua captura pelo religioso. <<<
3. No Brasil para ‘Zona’ existem múltiplas conotações. Entre elas: zona como área, terreno; como um lugar desordenado; como um lugar fora da lei, sem licença para suas práticas; um lugar onde se pratica prostituição. <<<
4. Com Deleuze e Guatarri, entendo aqui o monumento como o encarne das sensações que o fizeram existir. Ver: DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 228-229. <<<
5. Me apropio de parte del slogan que se encuentra dentro del metro de Santiago/Chile: Porque aquí encuentro todo lo que me gusta. Te llevo bajo la piel. <<<
6. Es el nombre que se da al local en que se celebran los cultos afro-brasileños, macumbas, candomblés, umbanda, etc. Pretendo des-localizar este término, desplazándolo junto con la multiplicidad de fuerzas propias de un terreiro religioso a la zona de algunas propuestas artísticas en las que he participado. En el ritual religioso también encuentro un lugar de sensaciones activadas, memorias actualizadas e invenciones de gestos. Lo que me interesa aquí es el plano intensivo del “terreiro”, arrastrado hacia fuera de su captura por lo religioso. <<<
7. En Brasil para “Zona” existen múltiples connotaciones. Entre ellas: zona como área, terreno; como un lugar desordenado; como un lugar fuera de la ley, sin licencia para sus prácticas; un lugar donde se practica la prostitución. <<<
8.A través de las palabras de Deleuze y Guattari, entiendo aquí el monumento como la encarnación de las sensaciones que lo han hecho existir. Ver: DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, PP 228-229. <<<